terça-feira, 6 de novembro de 2012

O Livreiro do Alemão em BH

LAURA GODOY
Especial para O Tempo
 
 

Do alto da comunidade Caracol, no Rio de Janeiro, o escritor Otávio Júnior observa o movimento no início da tarde de segunda-feira. "Houve um tempo em que era impossível contemplar esta paz total", diz. Ele se refere à vida antes da tomada dos complexos do Alemão e da Penha em 2010, quando a polícia ocupou os morros e passou a reprimir o tráfico de drogas.

Otávio está em casa. Nasceu, cresceu e vive na área que reúne cerca de 400 mil moradores e era uma das regiões mais violentas do Rio de Janeiro. 

Aos 27 anos, há dez anos ele coordena o projeto "Ler é 10 - Leia Favela", que democratiza a leitura entre crianças e adolescentes da comunidade. Além disso, é ator, produtor e escritor e lança hoje em Belo Horizonte "O Livreiro do Alemão", publicação da Panda Books que traz no título o apelido pelo qual ele ficou conhecido. O evento na capital é parte do projeto "Encontro com o Autor", viabilizado pelo Fundo Municipal de Cultura. 

O livro é autobiográfico. Conta a história de Otávio desde a infância, quando ainda era um "leitor adormecido" por desconhecer o universo literário. Um dia, impedido de jogar futebol, o menino, filho de um pedreiro e de uma dona de casa, foi embora do campo desanimado. Mas, no caminho, se deparou com uma caixa cheia de brinquedos abandonados. O grito de surpresa foi tão alto que atraiu as crianças que estavam em volta do campo. "Deu tempo apenas de pegar um livro que estava ali: ‘Don Gaton’", relembra. A partir desse conto espanhol, Otávio se tornou um leitor voraz. 

E não parou por aí. Começou a frequentar bibliotecas, conseguiu bolsas de estudo para cursos de teatro, literatura e cinema e lia, sempre, tudo que aparecia pela frente. Nada egoísta, resolveu que era hora de compartilhar com a comunidade o que tinha aprendido. Com uma mala velha nas mãos, levava às casas dos vizinhos livros diversos, montava espetáculos de teatro e mobilizava a meninada na hora da "contação" de histórias. "Sei, por experiência própria, que as crianças daqui têm uma visão muito estreita do mundo. Quase não saem da favela. Foi a leitura que me libertou dessa prisão", relata. 

Aos poucos conquistou a confiança de instituições e moradores. Depois participou do quadro "Agora ou Nunca", do programa "Caldeirão do Huck", da Rede Globo, e ganhou R$ 10 mil. O projeto deslanchou. 

Atualmente, o Ler é 10 - Leia Favela conta com o apoio de dois mantenedores e já atendeu mais de dez mil crianças. O passo mais recente foi a inauguração da "Barracoteca" Hans Christian Andersen, primeira biblioteca dos complexos da Penha e do Alemão batizada com o nome do autor de clássicos como "O Patinho Feio" e "A Roupa Nova do Rei". Com apoio do Ministério da Cultura, o barracão simples na comunidade Caracol, que ainda está em fase de testes, ganhou computadores, estantes e livros, que hoje já somam quase 7.000. 

O convite para escrever "O Livreiro do Alemão" (que, como os contos de fadas, começa com "Era uma vez....") veio da editora Panda Books. "Com o dinheiro que ganho dos direitos autorais ajudo a manter o projeto, que também recebe doações de livros de todo o Brasil", comemora. 

O próximo passo de Otávio é investir ainda mais na biblioteca móvel e percorrer as 22 comunidades da região. "Meu sonho é criar aqui a maior biblioteca a céu aberto do mundo", conta. Agora, o escritor está prestes a enfrentar outro desafio: foi convidado para participar da novela "Salve Jorge", da Rede Globo, interpretando um personagem que mudou a vida da comunidade carioca onde vive: ele mesmo, o Livreiro do Alemão.